terça-feira, 19 de maio de 2009

Considerações Sobre os Trabalhos com Ayahuasca



Daniel Pinheiro
Psicólogo e Terapeuta Holístico

Com um coração intrépido,

um rato levanta um elefante.

(Provérbio Tibetano)

Com este texto, que são simples visões de alguém que ainda é um neófito nos caminhos do xamanismo, gostaria de dar lugar a sentimentos e pensamentos que brotaram em mim a partir das experiências com a bebida sagrada da ayahuasca. Partirei de uma premissa que faz parte da minha experiência como psicólogo no atendimento a comunidades e terapeuta holístico especializado em acupuntura. Através de observações empíricas pude constatar que as afecções das quais padecem o corpo são oriundas, ou melhor, se definem primeiramente como afecções do espírito e da alma (não estou colocando aqui como sinônimos) e estão ligadas intimamente a ordem do desejo.

O saber milenar de muitas culturas ancestrais define a importância dos astros (sidus singular ou sidera plural que denota um conjunto de estrelas/constelações) na cadeia do destino de cada indivíduo, já que no momento em que o espírito entra na brutalidade da matéria, os intermediários siderais eternos e etéreos, exalam diáfanos envoltórios que protegem a alma, conferindo-lhe um corpo astral. Donde considerare (considerar) é examinar com cuidado, respeito e veneração, fazer consulta cuidadosa aos astros (astral). Em contraponto, a palavra desejo, que deriva do latim desiderare, é se distanciar ou abandonar a consulta aos céus (aos astros), daí desiderium ser ação de tomar o destino nas próprias mãos, ou seja, o indivíduo que por vontade consciente nascida de sua própria deliberação cai na roda da fortuna incerta, privado de saber seu próprio destino, estando meio termo entre a decisão ou poder pessoal e a carência, já que se encontra privado do auxílio das alturas.

Considerar, então, paradoxalmente ao desejo, para a Tradição, é a possibilidade de entendimento da Realidade Última, ou da Verdade Transcendente, é a possibilidade do indivíduo transcender de si, extrapolar a pequenez egóica de ato e potência e compartilhar com a Presença Divina fragmentos de sua Onipotência, Onisciência e Onipresença. Neste ponto, gostaria de inserir as experiências de ampliação de consciência feitas por meio da ayahuasca.

A ayahuasca tem propriedades que promovem a alteração e ampliação dos estados da consciência e permite ao indivíduo que faz seu uso ritualístico um tipo experiência religiosa sui generis. O mundo em sua ilusão e transitoriedade é descortinado para mostrar caminhos e possibilidades, diante do desespero, através do vislumbre do senso de pertencimento e conexão com tudo o mais no Universo e da compreensão de que a Luz Cósmica é comum para todos os seres, considerações que permeiam a alma do caminhante durante um estado de força e paz espiritual.

Entretanto, o espírito insuflado pelas paixões perde a medida das coisas (metrón) e como Ícaro, de asas derretidas, caí em um oceano pulsional de excessos, vícios, neuroses, perversões e psicoses. É preciso antes de tudo silenciar os ruídos intermitentes das vivências egóicas, é preciso educar o ego desejante e desejoso para transformar impulsos irrefletidos em tendência racional refletida, ou melhor, lançar luz a lugares obscuros da personalidade e buscar de lá suas sombras, integrar as partes fragmentadas do Si Mesmo dilapidado pelos hábitos de vida, pela convivência em família e pela imersão na cultura.

Angelis Arrien, no Caminho Quádruplo, aponta alguns interessantes conceitos de cura:

1. A cura é a jornada de toda a vida no sentido da inteireza;

2. Curar é lembrar o que foi esquecido sobre vínculo, unidade e interdependência, entre tudo o que é vivente e não-vivente;

3. Curar é abrir os braços ao que é mais temido;

4. Curar é abrir o que estava fechado, suavizar o que se endureceu em forma de obstrução;

5. Curar é penetrar no momento transcendente, atemporal, em que se experimenta o divino;

6. Curar é criatividade, paixão e amor;

7. Curar é buscar e expressar o ser em sua plenitude, sua luz e sua sombra, o masculino e o feminino;

8. Curar é aprender a confiar na vida.

Assim sendo, a ayahuasca é um veículo que tenta proporcionar ao indivíduo uma experiência total, um reencontro consigo mesmo, reeditando vivências que proporcionam o passear pela curar. A figura do Xamã, terapeuta ou médico da alma, nesse sentido torna-se muito importante, pois este facilita o processo de autoconhecimento (ou auto-reconhecimento) ao sinalizar os caminhos. O trabalho é individual, mas o aprendizado é coletivo, na medida em que o grupo, ou melhor, tribo compartilhando de suas experiências, permite o crescimento transpessoal.

Com esses escritos quero apenas divulgar um trabalho que é tão importante para a humanidade que é a redescoberta do amor e a fraternidade entre irmãos.

Abraços a todos!

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